No verão brasileiro Ana já havia apaixonado-se perdidamente pelo surfista de bermudão azul surrado que sempre visitava a praia próxima a sua casa. No ano em que ele não apareceu, a estudante, até então preparando-se para o vestibular, caiu de amores por outra cor: o vermelho da sunga de um salva-vidas por quem ela não hesitaria em se afogar até descobrir, antes da estação terminar, que ele era casado.
Com temperatura bem menos agradável que a ensolarada praia da sua adolescência – e uma vista que dava apenas para uma parede suja – Ana descobriu outro tipo de amores de estação na Inglaterra: Os amores das estações do metrô londrino.
Foi entre Piccadilly e Green Park, na área central, que ela ficou hipnotizada pelo executivo de terno e gravata lendo Nietszche numa manhã de maio. Dois meses depois, na Central Line, ela apaixonaria-se pelo roqueiro de calça rasgada na altura do joelho que a presenteou em pleno underground com um “Você é linda!”, escrito no verso do mapa do metrô. Ele deu um sorriso e sumiu na multidão. Nunca mais se viram.
Todos os dias, Marias, Anas, Joãos, Kathelens, Sofias, Richards, Dayses e mais 1 milhão de pessoas esbarram-se em uma das 15 linhas do metrô de Londres. Gente que lê, que tem pressa, que está com problemas, que ouve música ou lixa as unhas enquanto o vagão sacode em direção à algum ponto da cidade. Às vezes, por mais incrível que pareça, eles lembram que são humanos e arriscam olhar para o lado. Então descobrem, acidentalmente, mulheres lindas, homens solteiros … e um monte de Anas, Joãos, Kathelens, Sofias, Richards, Dayses e outras tribos que, por acidente, ainda não encontraram a sua “metade-da-laranja”.
Às vezes distraída e às vezes tão preocupada em identificar um novo amor, Ana não percebeu que em pé, próximo à porta, um rapaz de cabelo espetado e jaqueta jeans tentara em vão chamar a sua atenção. Ela então checou o mapa impresso no teto do vagão e levantou-se para deixar a District Line em Earl’s Court, já na borda da zona 2, onde teria que caminhar 10 minutos até chegar ao trabalho. E Ana apaixonou-se outras vezes, em outras linhas indo para outros lados.
Até hoje, quando desce as escadas rolantes de alguma estação, o rapaz de jaqueta jeans espera encontrar novamente a estudante de pele morena e, quem sabe, ter coragem de enviar uma mensagem escrita num mapa de underground ou verso de travel card.
Todos os dias, quando caminha para o metrô mais próximo, Ana promete a si mesma dar mais valor a próxima mensagem que cair em suas mãos, e não deixar que o amor passe batido quando o vagão estacionar na próxima estação.
Publicado no site: www.jovensescribas.com.br em Nov/07
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