Censura nunca é uma coisa boa.
E quando vem armada de fuzil e com capuz preto, fazendo vítimas, além de uma coisa ruim se torna uma coisa feia.
Esta semana ataques terroristas a sede da revista Charlie Hebdo, publicação francesa que existe desde 1970, resultou em uma dúzia de mortos. Não que os jornalistas trabalhando na sede do veículo especializado em sátira fossem santos. Algumas das charges criadas pela equipe da revista nas últimas décadas fazem corar até mesmo árduos defensores da liberdade de imprensa. Mas o ataque feito por fanáticos religiosos extremistas está longe de ser justificável.
Religião, política e jornalismo são uma mistura perigosa.
É mais ou menos como colocar gasolina, álcool e querosene em uma caixa de papelão e jogar um cigarro acesso para ver se incendeia. A resposta é sim: pega fogo. Nem precisa tentar fazer isso em casa para averiguar.
O motivo pelo qual religião, política e jornalismo são inevitavelmente incendiários e opostos é justamente o que os separa. Enquanto em religião nem tudo se explica (ou se tem fé ou não) e na política nem tudo se mostra, o jornalismo tem o dever de tentar entender, mastigar, simplificar e repassar o assunto adiante. Em outras palavras: informar - o que ao longo do caminho, invariavelmente, irá causar controrvéssia por levantar questões e desavenças por revelar o que deveria ter sido deixado quieto, debaixo do pano.
Como Paris é uma cidade pequena, a notícia da chacina na última quarta-feira rapidamente se espalhou pela capital francesa e não demoraria a ganhar o mundo num uníssono ‘Je Suis Charlie’ (Eu sou Charlie) estampado em cartazes e updates de mídias sociais fazendo com que a tragédia pareça ser bem perto. E é. Há menos de quatro meses atrás, durante estadia de cinco dias em Paris para cobrir a semana de moda local, eu passei na calçada da revista diariamente, duas ruas atrás do apartamento que alugo na área de Marais, e lembrei que eles já haviam sofrido um outro ataque anos atrás por fazer graça com religião e política.
Mas há um lado sério e histórico que as vezes passa desapercebido entre uma sátira e outra.
Se hoje é fácil para qualquer um soltar o verbo em sites como Facebook e Twitter, escrever em blogs, dividir opinião com os outros. Xingar, se preciso. Tudo isso é um pouco graças a revistas como a Charlie Hebdo, que fez da liberdade de imprensa um instrumento de trabalho desde os tempos em que não existiam meios abertos e gratuitos para se falar o que pensa.
A próxima edição da Charlie Hebdo, ao invés da tradicional tiragem de 60 mil cópias, chegará as ruas com 1 milhão de exemplares. Uma prova de que o humor – e a mídia impressa – seguem bem vivos.
*Márcio Rodrigo Delgado é jornalista graduado pela UFRN e consultor em marketing e mídia sociais na Inglaterra.
1 comment:
muito bom!
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