Na contagem regressiva para a Copa do Mundo a ser realizada no Brasil, tento rejustar a minha calculadora para a realidade do país, que ficou muito mais caro no último semestre.
Acho que perdi um pouco da noção dos preços e ainda levo sustos com os aumentos de última hora para ‘aproveitar’ o período.
Se ‘aproveitar’, no mundo dos negócios segundo a cartilha brasileira é sinônimo de ‘vamos meter a mão no bolso do consumidor’, a taça já é nossa mesmo antes de entrar em campo.
Fui convidado para trabalhar nos jogos, em Natal, no nordeste do país. Mas após ligar para diversos hotéis para organizar a minha estadia na terra do sol, descobri que usar a minha experiência como jornalista no exterior - incluindo a cobertura das Olimpíadas de Londres, em 2012 – vai custar mais do que quando fui enviado para trabalhar na Suíça, Rússia ou Nova Iorque.
Tudo bem que nenhuma destas três cidades tem dunas. Ou tapioca com ginga. Mas a julgar pelos altos valores cobrados, Natal deve estar importando areia e peixe.
Como não consegui muita informação em outubro, em novembro tentei novamente. Um hotel três estrelas estava cobrando R$ 240 pela diária + uma taxa de 15%. Expliquei que precisaria de um preço especial devido ao longo período solicitado (90 dias). A telefonista pediu um minuto para falar com o gerente e me deixou na linha ouvindo uma música de Luiz Gonzaga – que é pernambucano.
Quando ela retornou, disse que poderia me dar um desconto e ficaria em torno de uns R$ 6.000 por mês. Gostei da simplicidade dela, de cobrar quase 10 salários mínimos de hospedagem com a mesma naturalidade de quem me vende um picolé de gelo na calçada da Praia de Ponta Negra por R$ 1.
Mas o melhor ainda estava por vir.
Antes que eu sequer contestasse o valor, a recepcionista se apressou em acrescentar um pequeno detalhe: eu poderia fazer reservas, apenas, até a semana antes dos jogos, em Natal. Durante o período da Copa eu teria que sair ou reservar depois.
Como não entendi, tive que perguntar outra vez.
-Só aceitamos reservas para antes do período da Copa.
-Mas estou indo trabalhar. Onde fico durante os jogos?
-O Sr. Pode reservar depois.
-Mas porque não tudo junto, em um pacote só?
-É que para as semanas da Copa vamos ter uma tabela nova, mas ainda não chegou.
E mais uma vez, adorei o jeito simples de alguém dizer algo não absurdo como se fosse a coisa mais normal do mundo! Ajuste de preços durante a estadia dos clientes - e eles que se virem.
Pensei em xingar a moça. Em lembrar a ela que isso era um insulto e que atitudes como essas apenas colaboram para a imagem negativa que o Brasil tem no exterior, de um país onde todos querem tirar proveito dos turistas, dos vizinhos, até de parentes se der bobeira.
Mas deixei para lá. Ela é apenas o resultado da falta de visão e falta de treinamento. Sim, porque ninguém avisa a um cliente que ele não é bem vindo porque o preço vai subir. Na pior das hipóteses ela deveria ter sido instruída a mentir e, elegantemente, dizer que já estavam lotados até o fim da Copa. Iria até ficar mais bonito, além de educado.
Contei até cinco, agradeci pelas informações e disse que entraria em contato depois - Mas não vou porque não cabe no meu orçamento.
Como não tenho gado para colocar a venda. Não trabalho com tráfico de drogas. Não sou político e não estou planejando vender um rim para financiar a minha hospedagem em Natal este ano, no momento ainda estou repensando o convite de trabalho. Enquanto isso, sigo juntando um dinheirinho para ver se pelo menos uma cocada eu consigo comprar caso venha a trabalhar na cidade.
Sim, porque se os ambulantes seguirem a cartilha dos empresários e começarem a cobrar 10 vezes mais pelos seus produtos e serviços, vai ter banco oferecendo empréstimo e financiamento até para quem ousar em saborear a tal ginga com tapioca ou um simples picolé de gelo.
Será que isso está acontecendo nas outras 11 capitais brasileiras sediando os jogos e ninguém comenta porque virou algo comum e aceitável?
*Márcio Delgado é jornalista e reside na Inglaterra com o seu cachorro Max.
Twitter: @marcio_delgado
3 comments:
É a famosa "falta de absurdo" rs. Hj tem a inauguração da Arena. O engraçado é q nem todas as pessoas q realmente deveriam ir a trabalho foram credenciadas. Em compensação, os "babões" irão em peso.
kaaaaaaaraaaaaaaka!!!!
Falaseeeeerio!
Voltei do Brasil há duas semanas e fiquei desesperada nao só com as filas nos aeroportos como claro, com o preço das coisas. Comprar comida virou artigo de luxo e até um pao de queijo com cafezinho sai mais caro do que a refeicao que eu fazia há quatro anos no intervalo de trabalho. Fiquei absurdamente apavorada!
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