16 April 2014

Por que jornalista deveria comprar uma Kombi

Márcio Rodrigo Delgado*

Pois é, até que durou muito essa Rachel Sherehazade metendo a boca no trobone. Eu estava só de olho, e embora gostasse, já havia mencionado que não ia durar muito.

Não é que eu tenha bola de cristal.

É que tenho experiência. E minha experiência diz que essa coisa de ‘imparcialidade e falar a verdade’, doa a quem doer, não é o padrão do jornalismo atual feito em nenhum lugar do mundo. E no Brasil não iria ser diferente.

Por traz de cada telejornal, revista, folheto informativo, programa de rádio e até de uma Kombi 1976 levando a notícia a áreas mais remotas com um alto falante no teto... por trás de tudo isso existe uma equipe. Ou alguém. Onde tem gente trabalhando, tem folha de pagamento. E toda folha de pagamento precisa de dinheiro porque ninguém vive de ideologia e vento - e a sua fatura do cartão de crédito, quando chega pelo correio lá pelo dia 20 de cada mês, antes mesmo do seu salário ser pago, não quer saber das suas boas intenções jornalísticas. Eles querem o dinheiro. E pronto.

Há aqueles jornalistas que ainda vivem num mundo paralelo. Quase encantando.

Vestem camisetas do Che Guevara. Votam no PT. Deixam a barba e o cabelo crescer. Tem horror a coluna social. Não tem nem idéia de quem foi Alexander McQueen ou quem é Miucia Prada e defendem Dilma com unhas, dentes, canetas e votos.

Estes estão sempre alfinetando os que são diferente deles. Os que, por não serem do contra, elegantemente aceitam convites para ir tomar champagne nas festas de lançamento de uma grife da moda e beliscar o caviar dos outros. Aqueles que fazem assessoria de imprensa para complementar o orçamento porque todo mundo gosta de conforto em casa. E cá para nós: jornalista que recebe apenas o piso salarial, especialmente se for do nordeste, deve estar passando fome ou quase.

Não assino embaixo de tudo que Rachel Sheherazade palpita (ou palpitava?), como defender a ação de “justiceiros”, que espancaram e amarraram no poste um adolescente suspeito de furto no Rio de Janeiro. O fato é que, após representações na Justiça e possibilidade de punição da emissora que a emprega, a âncora não vai mais emitir opiniões no telejornal SBT Brasil. Calaram a Sheherazade, para encurtar o trololó.

Nos dias atuais, não raramente, a ‘democracia’ jornalística acaba onde começa o interesse comercial dos anunciantes – ou políticos. E jornalista que não concordar com isso tem duas opções: ou aprende a trabalhar em parceria com o setor de vendas e aceita que a democracia também é um direito de quem paga a conta ...... ou pode pedir as contas, comprar uma Kombi 1976 com um alto falante no teto e sair por aí dando uma de Rachel Sheherazade por esse Brasil a fora, ao vivo, sem ter que dar satisfação editorial ou comercial a Zé nenhum - Mas sem salário também.

Antigamente, o sonho de todo jornalista empreendedor era ter o seu próprio veículo de comunicação.

Hoje em dia, o único veículo para jornalista 'cabeça' que não aceita a pressão comercial e se posiciona fortemente contra tudo é um carro velho. Ou mudar de profissão.

Sheherazade, agora é contigo: Caviar ou Kombi?



*Márcio Delgado é jornalista e consultor em marketing e mídia sociais na Inglaterra. Não tem uma Kombi e não gosta de caviar. Mas não recusa um convite para apreciar um bom champagne.

1 comment:

carolbeal said...

Kombi não dá mais pra comprar também. Saiu de produção o ano passado... As que existem no momento, devem estar saindo o olho da cara! :D