Por: Marcio Rodrigo Delgado
O assunto da hora é o caso do brasileiro que foi interrogado pela polícia inglesa em sua passagem por Londres.
Sou jornalista desde que me entendo por gente e oficialmente trabalho na área há mais de 15 anos. Mas ainda não entendi, ao certo, o motivo de tanto alarde. Talvez seja o fato da informação chegar ao público em doses bem pequenas, quase através de um conta-gotas, que ganham destaque entre quem apenas assiste TV ou repassa mensagem achada no Facebook.
David Miranda, o brasileiro de 28 anos que ganhou a mídia nesta segunda-feira, dia 19, porque, aparentemente, o Brasil e o The Guardian estariam indignados com o seu interrogatório por nove horas no aeroporto de Heathrow, é namorado do jornalista americano que publicou o vazamento de documentos secretos americanos sobre os métodos utilizados pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos para espionagem de cidadãos e governos de vários países, entre eles o Brasil.
Até aí, tudo bem.
Essa parte virou manchete em capas de jornais e noticiários ávidos por alguma notícia, afinal, a semana começou fraquinha nas redações. Ninguém famoso morreu. Nenhum maníaco invadiu escolas atirando e matando crianças e adolescentes. Dilma não mudou o penteado. Nenhuma emissora de TV lançou um novo reality show para confinar gente desinteressante em um local cercado por câmeras. Nenhuma conta de político foi revelada nas ilhas Canárias. A coisa estava tão morna, que nenhum artista sequer se deu ao trabalho de pedir divórcio ou anunciar um casamento ou gravidez. Até os protestos deram um tempo. Foi como se depois da passagem do Papa Francisco pelo Brasil e do nascimento do futuro príncipe da Inglaterra, em julho, o mundo todo tivesse fechado para balanço na terceira semana de agosto.
‘Fazer’ notícia neste cenário insosso é quase tirar leite em pedra. Por isso um interrogatório de um brasileiro em Londres facilmente ganharia ares de urgência.
O site da Agência Brasil, por exemplo, encerrou uma matéria falando que, ‘também por suspeitas de ligação com terrorismo, policiais de Londres mataram, em 2005, o mineiro Jean Charles de Menezes ....’.
Comparar um interrogatório de um brasileiro em um aeroporto com o caso de um acidente ocorrido em um trem do metrô da capital inglesa após uma série de atentados terroristas ao sistema de transporte público de Londres – que resultou em mais de 50 mortes - é o mesmo que fazer um gráfico mostrando quantas pessoas comem caviar no Brasil e quantas comem caviar na Bósnia. Liga o nada a lugar nenhum.
Seria bem triste se o rapaz estivesse passeando. Ou voltando de um passeio. Ou fosse um Zé qualquer, que juntou dinheiro a vida inteira para fazer a primeira viagem internacional, parcelou a passagem no cartão de crédito em 36x... coisas que muitos de nós já fizemos para conseguir realizar o sonho de conhecer um lugar o qual apenas havíamos visto em livros ou filmes.
Mas Miranda foi a Berlin visitar uma documentarista americana que também tem acesso irrestrito aos tais documentos. E a viagem do brasileiro foi paga pelo jornal inglês The Guardian, para o qual trabalha o namorado dele. Ou seja: nem de longe isso pode ser enquadrado como turismo porque, dificilmente, a empresa para qual trabalha o seu namorado iria pagar uma viagem de turismo para uma visita de cortesia a outro país. Iria?
Não estou defendendo nem acusando.
O próprio jornal The Guardian confirmou que a viagem do brasileiro foi paga pelo veículo de comunicação em sua edição do dia 19.08 e que durante a sua estadia na Alemanha visitou a documentarista Laura Poitras, que entre outras obras, dirigiu um documentário sobre a invasão americana no Iraque, além de outros trabalhos contra o sistema do governo americano e suas práticas.
E ainda acham estranho a polícia interrogar?
Será que o tradicional jornal britânico, fundado no século 19 e com tiragem diária de quase 200 mil cópias iria, tipo assim, apenas pagar para brasileiro ficar viajando por aí sem querer nada em troca?
O fato é que não existe almoço de graça. Mas para quem acha que sim, só resta perguntar:
-E o trenó de Papai Noel, está estacionado onde mesmo?
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