Por: Márcio Rodrigo Delgado*
Minha mãe vai fazer 60 anos em 2014.
Até poucos anos atrás ela lia o jornal, comentava na mesa as notícias interessantes e guardava recortes com algo que, eventualmente, fosse publicado sobre o meu trabalho como apresentador.
Hoje ela lê no celular sobre o que está acontecendo longe e perto. Compara assuntos, teses e preços de produtos. Está até pensando em ter uma conta no Facebook.
O que tem feito as pessoas se distanciarem do jornalismo tradicional, da TV e das mídias impressas não é uma alergia súbita a papel ou imagens. É relevância na sua mais pura essência. Ou a falta dela, neste caso.
Assim como, ao longo da história, quando os políticos não dão conta do recado, o eleitor tem ido as ruas para protestar, o leitor e o telespectador estão fazendo a sua própria revolução de escolhas ao simplesmente ignorar quem nãos os representa.
E nem é preciso ser o gênio da lâmpada mágica para entender o que se passa.
Um jornalista com uma coluna diária em um determinado jornal e que complementa a renda familiar trabalhando para o Estado ou Município, não vai falar do buraco na rua que quase engoliu o carro da minha vizinha achando que Corsa é BigMac.
A profissional de comunicação, com trânsito fácil entre as várias esferas da sociedade e que trabalha em uma revista, não vai se sentir bem dando espaço – e voz - ao último escândalo envolvendo a esposa do vereador que a emprega como assessora.
O jornalista que critica a Dona Maria da rua de baixo por receber benefícios do governo, que talvez não tenha direito, dificilmente vai ser tão visceral ao criticar a loja que barrou Seu José semana passada porque ele estava com um furo na camisa. Afinal, nem iria pegar bem um cliente tão fora do público alvo do estabelecimento ser visto dando uma olhadinha nas prateleiras com preços marcados em reais e em dólares - e também não iria pegar bem o fato do jornalista ser o assessor de imprensa da loja.
Alguns já irão sair em defesa de jornalistas e blogueiros a partir daqui, afinal, o custo de vida é alto e, na luta pela sobrevivência, só Deus e o Walmart sabem como o preço do feijão, fraldas e champagne pesa no fim do mês.
Porém é o uso invertido da ética. Neste caso não é ético morder a mão que te alimenta e vai destoar daquela foto no Instagram, do assessor e do assessorado, em momento de descontração em evento regado a guloseimas e bebidas com nomes difíceis de serem pronunciados e que Dona Maria e Seu José nunca sequer ouviram falar.
Por isso para Josés e Marias do mundo real, imparcial mesmo é a filha deles que foi para uma passeata, tirou uma foto, falou a sua opinião sobre o evento e dividiu isso com parentes e amigos usando a tecnologia e sem nenhum interesse político ou econômico escondido por trás do teclado.
Será que esses interesses, por trás da notícia, chegaram a um ponto tão crítico que não tem volta?. Também não ajuda o fato de que, entre toneladas de propagandas, as pessoas não estarem encontrando a informação que buscam, fazendo com que a falta de interesse por jornais e revistas seja, atualmente, um fenômeno global.
Dados da AAM (Alliance for Audited Media), órgão americano, sem fins lucrativos, responsável pela auditoria de vendas e circulação nos Estados Unidos, mostram que de março de 2012 à março deste ano a queda foi de 1%. No Reino Unido não foi diferente com publicações tradicionais como The Guardian, The Sun, Observer, entre outras, despencando em média 1% no gosto popular apenas nos últimos seis meses.
A percentagem pode até parecer pequena; Mas se levarmos em consideração que a edição de domingo do jornal popular inglês The Sun, por exemplo, chega a quase 2 milhões de cópias, fica fácil entender porque meros 1% pode causar um grande impacto na folha de pagamento.
Talvez a solução seja retornar ao jornalismo igual se fazia antigamente, antes de Mark Zuckerberg, criador do Facebook, sequer ter nascido. Jornalismo, quase vintage, como instrumento contra a alienação de um país. Apenas a retomada da confiança e relevância da informação podem salvar os profissionais responsáveis por ela ... antes que os mesmos tornem-se obsoletos, vítimas da própria negligência e apatia.
Sim. Porque um dia, aquela cratera ignorada por tantos meses pelo assessorado, vai se rebelar e engolir o carro do assessor, achando que Corsa é BigMac. Daí alguém que nem conhece o assessor vai tirar uma foto e jogar nas redes sociais. É assim que a notícia vai continuar chegando ao público, ou seja: através de terceiros. Donas de casas. Médicos. Motoristas. Cantores. Secretárias. Advogados. Acougueiros. Contadores. Garis. Arquitetos. Manicures. Gente que nem é paga para informar, mas o faz pela simples necessidade do ser humano de se comunicar.
*Márcio Rodrigo Delgado – jornalista brasileiro residente na Inglaterra. Consultor em Marketing internacional e mídias sociais, já passou por rádio, TV, jornal e revista. Tem um labrador, três agendas e não tolera atendimento ruim. Pode ser seguido no: @delgadomarcio
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